As instalações do laboratório farmacêutico Sinovac na zona sul de Pequim são tão novas que ainda cheiram a tinta. Nas salas reservadas ao controle de qualidade, duplas de cientistas usando trajes
de proteção enchem pipetas com gotas de um líquido transparente, para comprovar os níveis de pureza da substância e as suas concentrações de proteínas e de alumínio. Vários andares abaixo, técnicos em aventais azuis e protegidos por máscaras, luvas e toucas vigiam o processo pelo qual, em duas linhas de montagem, as ampolas de vidro transparente são etiquetadas e cuidadosamente agrupadas em caixas. Nas embalagens, letras pretas sobre um fundo laranja e branco proclamam o conteúdo: “Vacina SARS-CoV-2, Inativada”.
Na corrida mundial contra o relógio em busca de uma vacina confiável contra a covid-19, que envolve a disputa por prestígio científico, lucro econômico e influência geopolítica, a China participa com uma dezena de fórmulas. Quatro estão na chamada fase 3, a mais avançada no processo de testes: a desenvolvida pela empresa CanSino em colaboração com o Exército chinês, duas do laboratório Sinopharma e a do Sinovac. As três últimas já receberam autorização para uso emergencial no país e foram aplicadas em dezenas de milhares de trabalhadores considerados essenciais. Yin Weidong, executivo-chefe da Sinovac, diz que mais de 10.000 chineses foram imunizados com a fórmula do seu laboratório.
A vacina do Sinovac poderia começar a ser vendida maciçamente já no começo de 2021, com distribuição mundial, disse Yin durante uma visita de jornalistas ao laboratório. “Nossa meta é oferecer a vacina ao mundo, inclusive os Estados Unidos e a Europa”, afirma o executivo, ele próprio já vacinado. Inicialmente, a prioridade seria para os países que participam dos ensaios clínicos.
A fórmula está sendo testada em 24.000 voluntários —9.000 somente no Brasil, onde a parceria feita com o Instituto Butantan foi anunciada com pompa pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Os estudos clínicos acontecem desde o dia 21 de julho em cinco Estados e no Distrito Federal, sem nenhum registro de reação adversa grave até agora. A ideia é que o Butantan fabrique suas próprias unidades a partir da tecnologia chinesa e as distribua a outros países da América Latina. “Esperamos que nos concedam o registro (de comercialização da fórmula) no maior número possível de países”, afirma Yin. Além disso, o instituto deve receber 46 milhões de doses vacina até dezembro, sendo seis milhões já prontas para aplicação, segundo o Governo paulista.
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Brasil, Indonésia e Turquia foram países escolhidos por sua grande população e seus níveis de incidência da doença. A eles se somarão Bangladesh e possivelmente o Chile. A empresa começou a pesquisar a vacina em janeiro, centrando-se inicialmente na China e especificamente Wuhan, o foco original da pandemia, mas a reduzida incidência atual do coronavírus na população chinesa não permite mais desenvolver testes confiáveis. Oficialmente, a China não detecta novos contágios locais há mais de um mês.
Na segunda-feira, a companhia começará os testes entre crianças e adolescentes de 3 a 18 anos nos países onde realiza as provas. Neste mês, o laboratório anunciou que os resultados das fases 1 e 2 dos ensaios clínicos tinham mostrado “bons níveis de segurança e geração de imunidade” em maiores de 60 anos saudáveis, depois de terem dado resultados positivos também em adultos de 18 a 59 anos. Ainda neste ano os resultados dos testes clínicos da terceira fase começarão a ser analisados para que os cientistas decidam se a vacina é suficientemente eficaz a ponto de solicitar sua aprovação para uso geral. Fora da China, a empresa norte-americana Pfizer espera concluir em outubro se sua vacina dá resultado; a Moderna, por sua vez, pretende chegar às conclusões provisórias em novembro.
O produto do Sinovac, que será comercializado sob o nome de Coronavac, utiliza uma das técnicas mais tradicionais na produção de vacinas, os vírus inativos. É o mesmo método usado no desenvolvimento de medicamentos para doenças como a gripe aviária, a pólio e a gripe sazonal. O vírus inativo é inoculado no paciente para que seu organismo comece a gerar anticorpos. Segundo Yin, até agora os resultados foram muito animadores: nos testes em macacos, a fórmula se mostrou efetiva para as diferentes cepas conhecidas do coronavírus causador da Covid-19.
É um dado que o Brasil confirma: o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou que não foram registrados efeitos secundários graves entre os voluntários brasileiros, informa a Efe. O país aumentou para 13.060 o número de participantes no estudo, frente aos 9.000 previstos inicialmente.
Se tudo correr bem, o laboratório chinês teria condições de fabricar quase 300 milhões de doses anuais a partir de 2021 nestas instalações que começaram a ser construídas em março especialmente para o desenvolvimento da vacina, num terreno de 20.000 metros quadrados. A cada minuto, explica seu diretor de empacotamento, são produzidas dezenas de caixas no grande espaço branco de sua sala de embalagem, tão nova que ainda se vê o espaço vazio em alguma tomada que falta ser instalada.
China está fora de coalizão mundial
Em maio, o presidente chinês, Xi Jinping, dizia que a vacina que seu país viesse a desenvolver seria “um bem público global”, compartilhado com o resto do mundo. Mas até agora nem a China nem os Estados Unidos aderiram à iniciativa COVAX, respaldada pela Organização Mundial da Saúde com o objetivo de tornar a futura imunização contra a covid-19 amplamente acessível para todo o planeta.
Pequim, por intermédio da sua chancelaria, afirma apoiar a iniciativa, que já recebeu o respaldo de 156 países, e promete colaborar com o resto do mundo para encontrar a cura. Mas, embora tenha deixado a porta aberta a aderir futuramente, deu sinais de que essa cooperação ocorrerá fora do marco multilateral. Segundo Wang Wenbin, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, os planos chineses são “basicamente iguais aos da COVAX”.
A potência asiática prometeu acesso prioritário a países sócios, como os países da bacia do Mekong – Vietnã, Camboja, Tailândia, Laos e Mianmar, nações vizinhas e majoritariamente com sistemas hospitalares frágeis. Também serão beneficiados os participantes da chamada iniciativa da Rota da Seda e da Organização para a Cooperação de Xangai, uma aliança de segurança promovida por Pequim.
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